''A janela que dá para o mundo
não é essa sobre a qual nos debruçamos''.
Ela me disse enquanto testemunhávamos as
nuvens, que mais pareciam deuses anunciando a chuva
logo à cima das mangueiras, e não sei porque nesse instante
compreendi mamãe, quando numa dessas manhãs de
véspera de natal falou: -''Eu era mais feliz na época em que vivia de ilusões''.
Depois a menina, com quem compartilhava biscoitos de aveia e avelã, completou
confessando que estava contente. E então só eu vi quando
me veio uma enchente de pedir que ''por favor'' não me deixasse assim,
como quando falta luz e uma voz ao lado -por mais distante que esteja-
canta de mancinho para que o menino não tenha medo de dormir.
Eu acho que gostava dela e isso me fazia entender o
modo como mamãe me olha sempre que me despeço.
Depois percebi a relação que existe entre o tempo de vida das borboletas e
o percurso mágico da água derretendo o céu antes que tudo silencie.
Era fim de tarde; o teatro estava uma só penumbra e o ambiente lá fora cintilava uma mistura ressentida de 'início de noite', mistério, umedecimento e solidão.
De repente estava brincando no corredor da casa da titia e parei para fechar a janela, onde
suas plantas mais queridas já estavam molhadas.
Eu tinha que chegar no trinco, mas para isso deveria recorrer à ponta dos pés e
olhar para o alto.
Essa foi à primeira vez em que não vi as mãos de titia levando-me pelas mãos.
Quis dizer isso para a menina, que
mais uma vez me estendia os biscoitos de aveia e avelã,
mas ela também já não estava mais ali.
E nesta noite, quando abri a porta
havia faltado luz e mamãe já estava dormindo
porque a janela que dá para o mundo
não é essa sobre a qual nos debruçamos.
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