sábado, 26 de junho de 2010

A Tradição do Entardecer

Meu ombro nasce um pássaro desprendido e

Que agora, foi aquela gaivota que migrou para o leste.

Antes dela, havia um pranto que se definiu como elemento

Separado pelo desembaraço resultante da metamorfose.

Outrora, este movimento oculto fora um líquido intuitivo;

Um elo solene entre o abstrato e o surreal.

Agora, não. Agora o casulo foi rompido; a gaiola enfim, vencida;

Como uma baleia encalhada ressecando ao longo do litoral e que

Logo mais, será como os escombros de um cais cuja história não

Permanecerá na recordação das próximas gerações.

Me resta o esboço impreciso dessas formas caminhando em direção aos

Recifes; O fantasmagórico uivo dos ventos que vem do incognoscível e

se vão para o esquecimento; E um distante monumento sem nome

Que em mim, se ergue como um velho adeus para as embarcações.

Mural 2#

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A metáfora do silêncio que não passou de um breve olhar (crônica)

Perdi o fio da meada e logo em seguida, cometi o oitavo pecado:
Pedi desculpas por - sem querer - ter furado o indicador esquerdo.
Como se ainda não fosse o bastante, pressionei, com o polegar,
o dedo lesionado, obedecendo - instintivamente – ao impulso dos
sustos gerados pelo equivalente nocivo.
E então, sem ao menos agir feito homem de maldade lapidada,
membro duro e amantes caras, disse (não sei se novamente) :
Desculpe...
E agravando minha nudez setecentas e quarenta e oito vezes despida,
recorri com a voz de quem sempre esteve calado: Des-cul-pa-por-fa-vor...
Por fim, sangrei uma gota injusta, ingênua e medíocre diante da mulher de
óculos escuros e coxas que saiam nuas de sua saia jeans curta e justa,
e sequer encontrei a sorte de um trapo discreto onde pudesse apagar
meu erro craso com qualquer uma dignidade.
Para - quem sabe - não deixar vestígios.
Foi como fazer uma pergunta e ficar ilhado pela perplexidade de todos os
que estavam certos de que todos, como eles, sabiam a resposta, e emudecer; octogenário, e já sem eufemismos ou aforismos.
Foi como tropeçar nos próprios calcanhares e cair sob os joelhos mas
só torcer um dos tornozelos.
Foi como amar a ser amado sem pelo menos dar-se o merecimento puro de
esquecer que, se o amor acaba é porque chegou ao fim apenas para uma das partes.
Foi como ser o único a ultrapassar o atropelo exclamando que a Divina Providência
tarda mas intercede, e isso bem no centro de uma elite de intelectuais ateus e cinéfilos.
Foi como não ter suportado a expectativa dilatada por uma possibilidade quase lúdica,
e ceder: ''Posso, por obséquio, descolocar este lado do seu sutiã para que,
expondo o respectivo seio, me torne filho do mamilo que lhe aprouver a gentileza?''
E exatos oitenta e oito segundos depois ensurdecer de vexame por sentir apenas um ‘’não’’ ermo, proparoxítono e beneficente.
Foi cru.
Ferir-se na agulha com a qual a gente perde o fio da meada diante de uma mulher de
óculos escuros e coxas que saem nuas de sua saia jeans curta e justa, é cru. Ainda mais quando somente um silêncio pode guardar em segredo que essa mesma agulha jamais existiu.