quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Resultado de uma mesa branca com Nelson Rodrigues, em 25 de dezembro.

para André, Maryland e Sarah Damasceno.



*baseado em fatos reais.

Ocorria que, enquanto o rapaz tentava encontrar uma cara com a qual pudesse encarar sua infeliz impressão, ela prosseguia com ânimo e indiferença, envolvida naquele seu assunto sem vergonha onde mais parecia uma criança seminua e sem infância, partilhando o melhor de todos os desejos realizados pelo próprio bom velhinho, em pessoa. Em conseqüência, ela não deixava passar um mínimo cheiro ou ardor no branco, elogiando as cenas que havia protagonizado com uma riqueza inconveniente de detalhes e um equivalente afetivo proporcional ao colorido que dava às suas recordações para que mais tarde, em particular consigo, reunisse estes seus preciosos resquícios na construção do que vivenciava como segurança útil à manutenção daquela sua postura de mulher estruturada e resolvida pela entrega última do primeiro de tantos outros casos.

O rapaz apenas olhava o chão, pois nada podia fazer. No muito, sentia uma esperança ridícula lhe envergonhando um lugar estranho na alma, e ainda que buscasse um subterfúgio dentre o mais convincente dos enganos; necessário, o seu corpo, já resumindo ao corpo de um pobre coitado, se deslocava em todas as direções numa tentativa esmagadora de se encaixar no único tamanho e na única largura que ele, infelizmente, tinha. Porém, todo este entulho de constatações, apesar de fabricarem um nó doloroso de injúria em seu peito, aconteciam como um grande naufrágio silencioso e inevitável porque jamais poderia aguarrar-se nem mesmo à sua mesquinha vontade de herói sem feitos ou pior, perceber que este efeito já diagnosticava uma iminente armadilha para ele: ele mesmo.

Mas a desgraça no fim das contas, era não mais saber onde ficava o seu peito. E agora? Estaria na ponta dos dedos? No gato escondido da chuva que trovejava cair? Na traição sem traição cometida? No filho que gostaria de ver chamando-a de mãe? Em que músculo? Em que osso? Em que ilha? Onde, meu Deus? E a falta de todas estas respostas o humilhava como se originassem nele uma desgraça ainda maior: Sentir-se ao mesmo tempo, humanamente agradecido por não saber mais onde latejava o seu peito.

O fato é que, as palavras das quais ela fazia uso emergiam de uma glória coroada de camuflagens, ousadias, traumas e orgias que a mesma lhe expunha de maneira assustadoramente trivial, como se quisesse agredi-lo por pura caridade ao passo em que também aproveitava para se sentir honestamente cruel, pois não se achava cruel, talvez ela não fosse realmente cruel, mas tinha - ou melhor - ela devia convencer-se de que aquela crueldade, na verdade, não nascia de uma compaixão recheada de anseios recíprocos, sobretudo porque a contradição agora lhe fragilizava e isto representava um risco imperdoável diante da luxúria que sentia por ser uma mulher independente, sem apegos ou remorsos.
Até que tudo emudeceu sem motivo dentro daquele espaço onde ambos ficaram pensativos e surdos por instantes. Era um intervalo inesperado onde o rapaz poderia ter-lhe aplicado um soco firme em cima da boca como gostaria aquela bela cadela que certamente ela se orgulhava de ser, mas se odiou irremediavelmente porque na realidade faria isso num espasmo de agonia para roubar-lhe um beijo de amor; um beijo de absolvição; um beijo para resgatá-la de si mesma.

Mas, não. Sufocou o ímpeto, dividido como um assassino passional bebendo alguns goles de uísque diante do ato irremissível, e preferiu respirar descobrindo, sem susto algum, que havia esquecido de respirar.

Ela, por sua vez, deitou-se no sofá assim que pressentiu uma singular erupção lhe subindo do ventre à garganta; afrouxando suas amarras; dissolvendo-a; inundando-a por dentro, e neste momento não entendeu porque desejou dar um forte abraço em seu falecido avô, pois sentira com rara ternura e grave emoção a fatalidade essencial: o melhor medo de uma vida.

Ainda alí, o rapaz deixou escapar um movimento daquele estado ausente em que se achava; um movimento sem nome e que de imediato quebrou algo no ambiente pouco antes invisível, despertando-os daquele segundo secular e paralelo onde tudo ao redor havia se apagado também. Bastou. De súbito, ela engoliu à seco aquele tremor íntimo e maldito elaborando com emergência, um sorriso torto de compensação e em seguida, aproveitou, sem sutileza alguma, a mudança vertical nas coisas para se resgatar de uma vez por todas, retomando agora de modo amável, doce e sobretudo ferido que, gemia como uma prostituta não apenas porque o sexo se goza, mas porque sentia nas entranhas um prazer quase antropofágico quando os sicranos e/ou beltranos lhe apunhalavam energicamente a submissão e que, a sua maior satisfação, ela gritava, alcançava a plenitude quando a experiência em questão lhe proporcionava a certeza de que realmente era uma vagabunda e que esta certeza se confirmava principalmente se combinada com ofensas, esforços e safanões à medida em que lhe derramavam espumante gelado nas costas e nas partes.

Depois tudo fez-se reticência, e depois ela se voltou para o rapaz, mas encontrou apenas a porta e o portão abertos e só aí pôs-se, enfim, a chorar, convulsivamente.

6 comentários:

  1. Olá, Alex! Entrei aqui ao acaso. Estava de blogagem e tal... Meu, custo a crer que isso é verdade. Mas se está afirmando que é baseado em fatos reais, tenho que crer. Estou estupefato. Abraço!

    “Para o legítimo sonhador não há sonho frustrado, mas sim sonho em curso” (Jefhcardoso)

    Gostaria de lhe convidar para que comentasse o meu Lobato e O Rato. Ok?
    http://jefhcardoso.blogspot.com de blog em blog.

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  2. Muito bom. É bacana como todo o seu blog tem uma atmosfera gostosa. Tudo é convidativo !!Parabéns

    Aparece pelo meu!! apesar de eu não ter o dom de sua filosofia!!!

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  3. Adorei sei que é completamente sarah de ser !!! e isso me faz entender sua amizade maravilhosa
    algumas vezes vivemos as melhores condiçoes e a condição de te conheçer é uma benção bjssss

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  4. totalmente visceral!
    tuas palavras sangram e acalentam... quase no mesmo instante.

    orgulho meu.
    te adoro!

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  5. MEU NOVO BLOG GALERA http://alexdkstro.blogspot.com/

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  6. Belas palavras e grandes feitos!!!
    Um tanto quanto tenso tambem..
    Parabens meu rapaz.

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